51. quais ossos você gostaria de quebrar
Inspirada na edição 250 da "eu destruirei vocês"
São 21h, dia 27 de Agosto de 2016. Eu não tenho casa.
Faz quase 10 dias que a minha mãe me expulsou de casa depois de uma briga física entre mim e o marido dela. Enquanto eu arrumava minhas coisas na mochila ela repetia, acho que pra si mesma, que ele queimaria a casa e mataria todos os filhos se eu continuasse morando ali.
Nessa noite eu não consegui nenhum lugar pra dormir, então, pra me proteger da chuva fina que começou há pouco eu me abrigo num tubo do parquinho da praça do centro da cidade. Eu pego no sono. Quando abro meus olhos eu vejo água, calma e escura. Alguém me leva numa canoinha e quando eu abro a boca pra perguntar algo, o meu dente da frente cai. Eu me abaixo para procurar o dente no fundo molhado da canoa e quando levanto, percebo que estou dentro de uma casa de madeira. É uma casinha simples e antiga, acho que estou na sala de jantar. Da janela eu consigo ver numa clareira do morro, não muito perto, não muito longe, um grupo de pessoas.
Senti no peito uma vontade imensa de chegar mais perto e de correr com eles, de rir alto junto deles. O meu coração começa a bater mais forte, mas agora eu ouço passos arrastados vindos da cozinha. Na minha direção, uma mulher bem velhinha entra e, como se eu fosse parte da mobília, mal me olha e pede que eu tire minhas roupas, como quem pede para recolher os pratos da mesa. Eu tento questiona-lá e sinto novamente os meus dentes, agora esfarelando mais e mais a cada movimento. Ela me olha séria e chega mais perto. Calma e firme, ela me explica que eu não precisaria mais daquelas coisas e que pra onde eu iria eu receberia tudo novo. O gosto amargo do farelo arenoso dos meus dentes me deixa suscetível a fazer o que ela me pede e tiro rápido todos os meus pertences e coloco no chão, na minha frente. Ela recolhe minhas ex-coisas e fala que eu já posso ir, enquanto aponta para aquela janela. Eu acordo.
Agora o gosto amargo na boca é do meu dente podre que volta e meia me deixa sem dormir. Coloco dois dedos na minha boca e lá no fundo eu sinto o dente mole. Puxo com uma força que faz minha cabeça latejar. Consigo tirar meio dente. Meu corpo é tomado pela adrenalina e eu preciso terminar o que comecei. Uso todos os dedos no meio desse processo longo e doloroso. Não chove mais. É quase meia-noite quando eu consigo arrancar a raiz do meu segundo molar esquerdo. Estou ofegante e estranhamente orgulhosa do meu feito. Acho que o que estou sentindo é prazer.
Eu não sei se estou com medo por você ou de você